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domingo, 7 de novembro de 2010

COM VISTA PARA O ARARAT

ARMÉNIA



Ouvi dizer que foi aqui que pela primeira vez o Cristianismo foi oficialmente adoptado. Ouvi também dizer que foi no Monte Ararat que a Arca de Noé ficou encalhada após o grande dilúvio. Feitas as contas, haviam motivos de sobra para uma escapadela à região do Cáucaso.
A religião nunca chegou a estar perto de me ter entre mãos, no entanto é a ela que muito do tempo das minhas viagens é dedicado. Aprendi a respeitá-la. Tento agora acreditar que não é dela grande parte da culpa de ainda estarmos tão distantes uns dos outros. Na Arménia existe a Igreja Apostólica, apesar de semelhante, tem algumas convicções que a separam das irmãs Católica e Ortodoxa. Os mosteiros e igrejas representam pontos de bastante relevância numa visita ao país. O mosteiro de Khor Virap foi talvez o que mais gostei de conhecer, não só pela sua história mas também pela sua localização. Situa-se perto da fronteira com a Turquia e tem o Monte Ararat como pano de fundo. O Ararat apesar de estar situado em território turco, é o grande símbolo da nação arménia. De resto o Ararat acompanhou-nos em muitos diferentes pontos da nossa viagem, acho que agora é o meu monte preferido. Também o povo da Arménia é agora um dos meus preferidos, tenho novos amigos arménios que sei que vou voltar a ver.
A Arménia tem no entanto relações difíceis com alguns dos seus países vizinhos. O caso da Turquia é antigo, mas o tempo pouco o tem conseguido fazer esquecer. Entre 1915 e 1923, perto do fim do Império Otomano, milhões de arménios foram mortos e deportados pelos turcos, a Turquia ainda hoje nega o genocídio e as relações politicas entre os dois países continuam muito complicadas, incluindo fronteiras encerradas. Do outro lado, o Azerbaijão, é um caso não menos complicado, até pelo contrário, as tensões são bastante mais recentes e é bem perceptível que a empatia entre os povos está longe de ser saudável. O caso do Azerbaijão parece ser bem mais problemático, para além das inevitáveis questões politicas, a relação social é venenosa e muito tem que pedalar antes de se diluir. Na base do problema está Nagorno-Karabakh. Depois da queda da União Soviética, da qual tanto a Arménia como o Azerbaijão faziam parte, a região de Nagorno-Karabakh voltou a entrar em disputa entre os dois países, num conflito militar que aconteceu durante grande parte dos anos 90. Geograficamente, a região de Karabakh situa-se dentro do Azerbaijão, fazendo também fronteira a sul com o Irão. Apesar de perto não chega a fazer fronteira com a Arménia, no entanto a maioria da sua população é arménia e isso está na base da disputa. Na verdade Nagorno-Karabakh autoproclamou-se de República independente mas até hoje nenhum outro país (incluindo a Arménia) o reconheceu. É por isso uma das Repúblicas mais curiosas de que já ouvi falar. Toda esta situação domina grande parte da actual agenda política na Arménia, sendo que um reconhecimento da República de Nagorno-Karabakh por parte da Arménia poderia envolver os dois países em novo conflito armado.
Mas de volta aos nossos humildes passeios, lembrei-me que aquele dia na região de Vayots Dzor foi adorável, primeiro a visita a Noravank (novo mosteiro), depois a paragem para um almoço no melhor restaurante de sempre! Numa pequena gruta de montanha à beira de um riacho virgem… e fico por aqui caso contrário teria de acrescentar mais uma dúzia de linhas. Depois parámos em Areni, lugar onde crescem umas senhoras uvas, e vai na sequência um senhor vinho que no meio do prova aqui, prova ali, me deixou bem disposto para o resto do dia… e noite. O dono da fábrica dos vinhos foi o nosso guia durante a visita, ao ver-me pegar numa rolha de garrafa adiantou-se dizendo que ali só tinham rolhas de cortiça, importadas de Portugal, nada de usar plástico. Orgulhoso, aprontei-me a explicar que Portugal é o meu país.
De volta a Erevan, chegávamos a casa da Tatevik, já a pensar (mal) que o dia estava feito, quando nos cruzámos na rua com uma festa de anos de um menino vizinho no bairro. E já está, dali não me deixaram passar. Já acomodado na mesa dos homens, de copos no ar a entornar vodka à espera do bota a baixo, eu arranhava no inglês, que ninguém entendia, eles entre o russo e o arménio, que eu não entendia, lá acabámos por ficar satisfeitos quando um deles se virou e disse: Figo, Ronaldo, Eusébio… dali para a frente só me lembro da dor de cabeça na manhã seguinte.
Vanadzor foi o destino seguinte, estava curioso para saber como é a vida longe da capital, sabia que a comunicação iria ser talvez complicada, mas tinha a certeza que com a felicidade dos arménios em nos ter e a vontade em interagir connosco, todas essas dificuldades se ultrapassavam com alguma facilidade, e assim aconteceu. Passámos duas noites em Vanadzor, a segunda maior cidade da Arménia, mas ainda muito distante da realidade da capital Erevan, com serviços, que são agora básicos no seio das sociedades modernas, ainda bastante pouco desenvolvidos. Este foi o ponto de partida para a visita aos mosteiros de Sanahin e de Haghpat onde tivemos a sorte de encontrar um padre ex-refugiado nos Estados Unidos que nos explicou as mais relevantes diferenças entre Católicos e Apostólicos. Os mosteiros situam-se no desfiladeiro Debed, com vistas lindíssimas e onde me deu vontade de ficar perdido por uma noite.
Durante toda a viagem na Arménia não me apercebi de nenhuma referência a Calouste Gulbenkian, o senhor de origem arménia que tamanho tesouro ofereceu a Portugal. Pensei que talvez fosse boa altura para nós, Portugal, contribuirmos com alguma dessa riqueza cultural, ajudando a que este país se desenvolva e modernize mais rapidamente.
Revejo-me agora sentado perto da nossa porta de embarque no aeroporto internacional de Erevan, virado para a janela a olhar para o pico branco do Ararat. Senti que definitivamente tinha percebido como é possível um monte poder ter tanto significado para uma nação. Até à próxima Ararat! Porque agora sabemos que “Arménia” não é só o nome daquela equipa de futebol que vai embora com meia dúzia de bolas no saco quando joga contra Portugal.