ISLÂNDIA (Agosto 2014)
Era Agosto. Isto porque tentámos escolher um mês quentinho, quando a média máxima pode mesmo chegar aos 13 graus centígrados. Fora esta exaustiva pesquisa meteorológica, que depressa me fez concluir que seria preciso levar zero protectores solares, nada ou pouco mais planeámos antes da viagem. Visitávamos família e não precisávamos de um plano. De modo que não sabia muito bem o que nos esperava. Além disso já não éramos só dois. Esta seria por ventura uma das primeiras viagens da India, que tinha então ano e meio. Eu normalmente fascino-me mais com viagens exóticas, de culturas e pessoas distintas, com grandes cidades ou antigas grandezas arquitectónicas. Por isso muitas das vezes deixo a natureza para segundo plano. Mas não há duvida que a riqueza natural da Islândia é enorme e mesmo misteriosa devido a sua localização e formação geológica. A Islândia faz parte da cadeia montanhosa Meso-Atlântica, que na sua maioria se encontra submersa, mas com alguns pontos acima do nível do mar, dando origem à existência a algumas ilhas, como é também o caso dos Açores, por exemplo. Esta cadeia montanhosa deve-se ao encontro entre as placas tectónicas Norte-Americana e Euro-Asiática. Ou devo dizer desencontro? Isto porque as placas continuam em permanente movimento de sentidos opostos. Significa que a cada ano que passa a largura da ilha estende-se. Agora chega de Geologia para não correr mais o risco de mentir! Mas penso ser importante de referir pois juntando isto a outros fenómenos naturais dai derivados, podemos melhor entender a existência dos fiordes, géiseres, cataratas, termas, terremotos, vulcões, etc. que é o que mais se distingue numa visita à Islândia. Aqui a terra parece ter um dia-a-dia bem atarefado, e literalmente agitado. A nossa base foi em Borgarnes, um bom ponto de partida para visitas ao longo de toda a zona oeste do país, com excepção da região dos fiordes do noroeste que seria preciso mais do que apenas um par de horas de viagem para cada lado. Primeiro demos um salto a Reykjavík, uma simpática cidade e provavelmente uma das mais tranquilas e pacatas capitais da Europa. Subimos ao topo da torre da Igreja de Hallgrímur para apreciar a vista sobre a cidade e o antigo porto de Reykjavík. No regresso fizemos uma paragem na loja de discos para escutar e comprar alguma música islandesa que acabou por servir de complemento a paisagem durante os nossos passeios de carro. Num dos primeiros dias fizemos o circuito dourado, que conta com a queda de água de Gullfoss (Catarata Dourada); O Parque Nacional de Thingvellir, onde desde 930 e por muitos anos aconteceram as reuniões públicas do parlamento islandês. Aqui também se pode observar a fissura entre os extremos das placas tectónicas; E os géiseres Geysir (que deu origem a palavra “géiser”) e o impressionante Strokkur. A norte de Borgarnes visitámos a vilas de Stykkishólmur e Arnarstaple que sobrevivem em maioria graças à pesca e um pouco de turismo. Atravessámos bem perto do Snæfellsjökull, que é um vulcão com glaciar de cerca de 1450 metros de altitude. Entre as várias quedas de água que visitámos, destaco Glymur, onde devido ao difícil e perigoso acesso tivemos de deixar a India para trás. No final da caminhada fomos recompensados com a espectacular vista dos 200 metros de altitude da queda de água, uma das maiores da Islândia. Impossível é capta-lá com justiça numa imagem fotográfica. Se calhar corri o risco de vos ter aborrecido antes de falar de um dos pontos altos da viagem, mas se ainda ai estiverem, queiram saber que meter-me de molho na Lagoa Azul deve estar bem perto do topo das coisas mais agradáveis que fiz em viagem. Este Spa bem acomodado em campos de lava, de água rica em propriedades medicinais que chega aos 40 graus centígrados, será certamente um dos primeiros pedidos para ter perto de casa, quando o génio da lâmpada vier ter comigo.
P.S. - Na Islândia não são precisos esquentadores e existem lagos de água extremamente cristalina como nunca vi em qualquer outro lugar.
MALTA (Abril 2012)
Acho que é hoje que vou tirar o pó ao blogue! Desde falhas de memória ao agravamento do nível de português, entre outros, espera-se uma viagem atribulada. Deve ter sido lá pela altura em que o Facebook chegou com força a Portugal (digo eu) que perdi o interesse em publicar estes pequenos textos. Não é que alguma vez me tenha ocorrido estar aqui a oferecer uma grande dose de conteúdos, mas é verdade que no meio de tantas ideias, opiniões, conhecimentos, lixo, etc... pouco ou nada vinha eu acrescentar à festa, a não ser mais do mesmo. Assim continua até hoje, mas a diferença é que agora, mais do que nunca, preciso de um bom exercício de português. Além de que pessoalmente me parece boa ideia reunir aqui algumas memórias antes que seja tarde de mais. Malta! Foi já há mais de cinco anos, mas ainda me lembro!
Era a nossa lua-de-mel. Eu raramente ponho isto assim, pois para mim era apenas mais uma viagem a fazer aquilo que fiz e faço em qualquer outra. Sem exageros de conforto ou preguiça de movimentos. Porta fora do aeroporto, pegámos no carro alugado e menos de uma hora depois (a contar com uma paragem para gelado a beira da estrada) estávamos no outro lado da ilha, em Ċirkewwa. Onde apanhámos o barco para a ilha de Gozo. A ilha de Malta deve ter pouco mais de 30km de estrada de uma ponta a outra se feito em linha reta, e parece-me que em menos de uma hora se pode ir a qualquer lado. Em Gozo, o Azure Window foi um dos nossos primeiros destinos. Era então uma das principais atrações em Malta antes de desabar em Março deste ano. Agora pouco mais resta para além de fotos e alguns filmes (Game of Thrones, por exemplo) que tiveram a felicidade de passar por lá a tempo de registar esta impetuosa formação geológica. A ilha de Gozo é a segunda maior do arquipélago de Malta, que conta ainda com a pequena ilha de Comino. Também em Comino as notícias não são as melhores este ano, já que viu a sua população ser reduzida de quatro para apenas três habitantes permanentes, uma redução de 25% assim de uma assentada. Isto depois da Dona Maria ter por fim cedido já no rigor dos seus 90 anos de idade. Mas lá ainda se pode apreciar a água azul transparente da Lagoa Azul, onde em meia hora chegámos à boleia de um pequeno barco a partir do porto de Mġarr. De volta a Gozo, pernoitámos em Marsalforn num pequeno elegante albergue gerido por uma simpática família maltesa que nos preparou uma grande jantarada, com a típica entrada de esparguete, neste caso servida com molho de coelho. Coelho é bastante comum em Malta, eu fiz o que a malta faz e enchi a barriga dele durante a estadia no país. Depois de mais uma pequena passagem pela antiga cidade de Victoria (Rabat), voltámos à ilha principal de Malta, onde o melhor ainda estava para vir. A passagem pela cidade medieval de Mdina, antiga capital de Malta e a visita às ruínas dos templos megalíticos de Ħaġar Qim e Mnajdra ainda me estão na memória, assim como o charme da pequena vila piscatória de Marsaxlokk. Mas nada chega a um dia ou dois bem passados em Valletta e arredores, onde não precisámos de gastar muita sola de sapato para percorrer a cidade de um canto ao outro (é uma das mais pequenas capitais europeias). O Forte de Santo Elmo ou a Co-Catedral de São João são passagens obrigatórias, mas nada chega a um passeio de barco ao final do dia em redor do Porto Grande, das baías e diversas marinas naturais que formam a costa nesta parte da ilha. A grandeza dos edifícios de calcário expostos lado a lado em Valletta, Floriana e Vittoriosa fica ainda mais aparente quando observada do mar. Entretanto o pôr-de-sol pincela o último retalho na nossa já bem agradável vista, como que a deixar o sinal de dever cumprido e a dica para regressar a terra. Antes do adeus a Malta faltava apenas deixar nos correiros os postais que escrevi para familiares mais próximos e alguns amigos. Não só por fim a dar conta da nossa viagem, mas também para deixar a novidade sobre o nosso íntimo casamento que tinha então acontecido há um mês atrás em Bristol. Talvez por isso (entre outras coisas) Malta deverá sempre ter um lugar especial nas minhas memórias.
ANGKOR
Em Siem Reap existe uma das mais impressionantes heranças arquitectónicas que o Mundo conhece, os templos de Angkor. Existem hotéis de cinco estrelas de um lado da estrada, e do outro, modestas barracas de zinco e madeira. Angkor é hoje uma das maiores atracções turísticas e na cidade de Siem Reap a disputa pela “fortuna” do turista é irritantemente selvagem. E limitados pela falta de vontade de prolongar teimosos diálogos com aqueles que, por razões óbvias, se iam metendo connosco, a estadia que imaginávamos deslumbrante corria então o risco de acabar desconfortante. Mas estávamos ali para visitar os templos e todo o legado deixado pelo Império Khmer e isso de facto não nos desfraldou. Angkor Wat, o principal complexo de templos da região de Angkor, foi construído há quase mil anos e é o mais relevante exemplo da grandeza e importância da arquitectura khmer no Camboja.
AYUTTHAYA
Dizem os livros e a Internet que o primeiro português chegou aqui há 500 anos. Eu cheguei um bocado depois, mas ainda assim penso que vim bem a tempo, ou quase. Apesar do nome até nem ser nada familiar, a verdade é que a cidade de Ayutthaya foi a capital do poderoso Reino do Sião fundado em 1351. Para além de terem sido os primeiros europeus em Ayutthaya, os portugueses gozaram de uma relação bastante simpática com o Sião, o que lhes permitiu terem acesso a uma parte do território que usaram para construir um povoado e uma igreja católica. Depois de uns bons quilómetros a pedalar à chapa do sol, descobrimos que afinal a igreja agora é pouco mais do que um monte de pedras mal consertadas ao qual vou chamar de “ruínas”. Mas ruínas é o que não falta hoje em Ayutthaya, em 1767 o exército birmanês, depois de anteriores invasões fracassadas, conseguiu finalmente conquistar a cidade, deixando-a praticamente em destroços. Perdeu-se então aquela que era considerada a grande potência do Sudeste Asiático que, com a sua beleza, havia deixado rendidos muitos ocidentais que ali jogavam as relações comerciais dos seus países. E por isso dizia antes que “quase” vim bem a tempo, não tivessem os birmaneses chegado primeiro. Ainda assim, e com o estatuto de Património da Humanidade a ajudar-me a confirmar esta afirmação, Ayutthaya é um lugar muito agradável e bastante merecedor de uma visita. Dos sei lá quantos templos e ruínas que aqui visitámos, gostei mais do Wat Mahathat, que tem uma cabeça de Buda numa árvore que ninguém sabe ao certo como foi lá parar, e do Wat Ratchaburana, de arquitectura Khmer e também impressionante pela sua dimensão. Gostei também do Wat Chaiwatthanaram porque é bonito e fica bem nas fotografias. Depois do pôr-do-sol, o mercado nocturno de Hua Raw foi paragem obrigatória durante a nossa estadia em Ayutthaya, a respectiva cerveja tailandesa a acompanhar o prato de marisco e a vista para o rio Lopburi, carregaram-nos as baterias que bem tivemos de usar no dia seguinte, ou nos dias seguintes.
ARMÉNIA
Ouvi dizer que foi aqui que pela primeira vez o Cristianismo foi oficialmente adoptado. Ouvi também dizer que foi no Monte Ararat que a Arca de Noé ficou encalhada após o grande dilúvio. Feitas as contas, haviam motivos de sobra para uma escapadela à região do Cáucaso.
A religião nunca chegou a estar perto de me ter entre mãos, no entanto é a ela que muito do tempo das minhas viagens é dedicado. Aprendi a respeitá-la. Tento agora acreditar que não é dela grande parte da culpa de ainda estarmos tão distantes uns dos outros. Na Arménia existe a Igreja Apostólica, apesar de semelhante, tem algumas convicções que a separam das irmãs Católica e Ortodoxa. Os mosteiros e igrejas representam pontos de bastante relevância numa visita ao país. O mosteiro de Khor Virap foi talvez o que mais gostei de conhecer, não só pela sua história mas também pela sua localização. Situa-se perto da fronteira com a Turquia e tem o Monte Ararat como pano de fundo. O Ararat apesar de estar situado em território turco, é o grande símbolo da nação arménia. De resto o Ararat acompanhou-nos em muitos diferentes pontos da nossa viagem, acho que agora é o meu monte preferido. Também o povo da Arménia é agora um dos meus preferidos, tenho novos amigos arménios que sei que vou voltar a ver.
A Arménia tem no entanto relações difíceis com alguns dos seus países vizinhos. O caso da Turquia é antigo, mas o tempo pouco o tem conseguido fazer esquecer. Entre 1915 e 1923, perto do fim do Império Otomano, milhões de arménios foram mortos e deportados pelos turcos, a Turquia ainda hoje nega o genocídio e as relações politicas entre os dois países continuam muito complicadas, incluindo fronteiras encerradas. Do outro lado, o Azerbaijão, é um caso não menos complicado, até pelo contrário, as tensões são bastante mais recentes e é bem perceptível que a empatia entre os povos está longe de ser saudável. O caso do Azerbaijão parece ser bem mais problemático, para além das inevitáveis questões politicas, a relação social é venenosa e muito tem que pedalar antes de se diluir. Na base do problema está Nagorno-Karabakh. Depois da queda da União Soviética, da qual tanto a Arménia como o Azerbaijão faziam parte, a região de Nagorno-Karabakh voltou a entrar em disputa entre os dois países, num conflito militar que aconteceu durante grande parte dos anos 90. Geograficamente, a região de Karabakh situa-se dentro do Azerbaijão, fazendo também fronteira a sul com o Irão. Apesar de perto não chega a fazer fronteira com a Arménia, no entanto a maioria da sua população é arménia e isso está na base da disputa. Na verdade Nagorno-Karabakh autoproclamou-se de República independente mas até hoje nenhum outro país (incluindo a Arménia) o reconheceu. É por isso uma das Repúblicas mais curiosas de que já ouvi falar. Toda esta situação domina grande parte da actual agenda política na Arménia, sendo que um reconhecimento da República de Nagorno-Karabakh por parte da Arménia poderia envolver os dois países em novo conflito armado.
Mas de volta aos nossos humildes passeios, lembrei-me que aquele dia na região de Vayots Dzor foi adorável, primeiro a visita a Noravank (novo mosteiro), depois a paragem para um almoço no melhor restaurante de sempre! Numa pequena gruta de montanha à beira de um riacho virgem… e fico por aqui caso contrário teria de acrescentar mais uma dúzia de linhas. Depois parámos em Areni, lugar onde crescem umas senhoras uvas, e vai na sequência um senhor vinho que no meio do prova aqui, prova ali, me deixou bem disposto para o resto do dia… e noite. O dono da fábrica dos vinhos foi o nosso guia durante a visita, ao ver-me pegar numa rolha de garrafa adiantou-se dizendo que ali só tinham rolhas de cortiça, importadas de Portugal, nada de usar plástico. Orgulhoso, aprontei-me a explicar que Portugal é o meu país.
De volta a Erevan, chegávamos a casa da Tatevik, já a pensar (mal) que o dia estava feito, quando nos cruzámos na rua com uma festa de anos de um menino vizinho no bairro. E já está, dali não me deixaram passar. Já acomodado na mesa dos homens, de copos no ar a entornar vodka à espera do bota a baixo, eu arranhava no inglês, que ninguém entendia, eles entre o russo e o arménio, que eu não entendia, lá acabámos por ficar satisfeitos quando um deles se virou e disse: Figo, Ronaldo, Eusébio… dali para a frente só me lembro da dor de cabeça na manhã seguinte.
Vanadzor foi o destino seguinte, estava curioso para saber como é a vida longe da capital, sabia que a comunicação iria ser talvez complicada, mas tinha a certeza que com a felicidade dos arménios em nos ter e a vontade em interagir connosco, todas essas dificuldades se ultrapassavam com alguma facilidade, e assim aconteceu. Passámos duas noites em Vanadzor, a segunda maior cidade da Arménia, mas ainda muito distante da realidade da capital Erevan, com serviços, que são agora básicos no seio das sociedades modernas, ainda bastante pouco desenvolvidos. Este foi o ponto de partida para a visita aos mosteiros de Sanahin e de Haghpat onde tivemos a sorte de encontrar um padre ex-refugiado nos Estados Unidos que nos explicou as mais relevantes diferenças entre Católicos e Apostólicos. Os mosteiros situam-se no desfiladeiro Debed, com vistas lindíssimas e onde me deu vontade de ficar perdido por uma noite.
Durante toda a viagem na Arménia não me apercebi de nenhuma referência a Calouste Gulbenkian, o senhor de origem arménia que tamanho tesouro ofereceu a Portugal. Pensei que talvez fosse boa altura para nós, Portugal, contribuirmos com alguma dessa riqueza cultural, ajudando a que este país se desenvolva e modernize mais rapidamente.
Revejo-me agora sentado perto da nossa porta de embarque no aeroporto internacional de Erevan, virado para a janela a olhar para o pico branco do Ararat. Senti que definitivamente tinha percebido como é possível um monte poder ter tanto significado para uma nação. Até à próxima Ararat! Porque agora sabemos que “Arménia” não é só o nome daquela equipa de futebol que vai embora com meia dúzia de bolas no saco quando joga contra Portugal.
CARDIFF
O sol até nem tem sido mauzinho para nós aqui na ilha da chuva, e uma escapadinha ao outro lado do canal de Bristol veio mesmo calhar. Foi a primeira vez que metemos os pés no País de Gales e as suspeitas ficaram confirmadas, o lugar é mesmo verde. Cardiff é a mais nova capital da Europa, com certeza deverá ser também uma das mais modestas e pacatas. Começamos por visitar o Castelo, este foi construído no local onde começou por existir um forte romano há sei lá quantos anos atrás. O Castelo de Cardiff é um dos maiores da Grã-Bretanha e a visita fez-se bem agradável. Depois da visita prolongada ao Castelo e ao museu do soldado, queríamos ver a rua, ver as pessoas e tentar ouvir um pouco de língua galesa. Não foi fácil ouvir galês em Cardiff, mas ouvimos o suficiente para perceber que não percebíamos nem um pouco de uma palavra. Mais um passeio aqui e outro ali e num instante já tínhamos corrido as ruas da cidade quase todas. Ficou só a faltar acabar o dia ao balcão de um daqueles pubs cheios de cerveja e publicidade a jogos de rugby e de futebol, a companhia era boa e desta vez, apesar de não ter sido por goleada, vencemos o cansaço! Mais uma, por favor!
BRISTOL
Emigrante. É o que eu sou agora. Antes dizia que era viajante. Ou turista, andava a ver coisas. Mas agora é diferente. Acho que gostava mais de continuar a ser viajante, mas não pode ser. Ou melhor, se calhar até pode, só que ainda não descobri como. Não sei porquê, mas fico com a sensação de que ser emigrante soa mais parolo do que ser viajante. Viajante soa melhor. Mas agora, é emigrante que eu sou. Hoje meti-me à estrada pela primeira vez, com o meu novo carro de guiador ao contrário, até me safei bem nas rotundas e tudo. Mas o melhor está em casa, essa coisa ai em cima, de botões grandes brancos e outros pequenos pretos. Acho que não está afinado (acho que tenho a certeza que não está), mas mesmo assim é tão bom brincar com ele. Agora só tenho que arranjar uns dedos melhores e lá vou eu!
CATMANDU
Depois de um dia de viagem um tanto ou quanto atribulado, chegámos finalmente a Catmandu. Taxi! Thamel, Please! Bem, depois percebi que mesmo que não tivesse dito Thamel, o senhor taxista saberia certamente que aquele era o lugar da entrega. Thamel é um Mundo à parte dentro de Catmandu. É o mundo dos turistas. À primeira vista pareceu-nos bem, à segunda nem por isso. Se por um lado poderíamos aproveitar para desfrutar de algum conforto, comidinha mais parecida com o que estamos habituados e uma boa garrafa de cerveja, por outro sentimos alguma inquietação por nos estarmos a refugiar num lugar que nada tem a ver com o que realmente é o Nepal. Mas algumas ruas adiante e logo a coisa muda de cara. Sim, estávamos mesmo no país que pensávamos, pobre e de desenvolvimento bastante tardio. Caminhámos bastante, de Stupa em Stupa, de Templo em Templo. Era tudo novo aos nossos olhos. De entre todas as coisas que visitámos em Catmandu, a Praça de Durbar, em Patan, foi a que mais gostámos de ver. Já passaram alguns meses (quase um ano) desde que fizemos a viagem ao Nepal, como tal as emoções encontraram já algum espaço de fuga, o que me impede de continuar este texto como queria.
REALIZAÇÃO DE WALTER CARVALHO
Há quatro anos atrás, quando comecei este blogue, escrevi sobre o romance de Chico Buarque "Budapeste". Se bem me lembro, esta obra teve a particularidade de ser escrita ainda antes de Chico Buarque ter visitado a capital húngara pela primeira vez. Eu próprio também o li antes de ir a Budapeste pela primeira vez. Ai comecei a imaginar as ruas de Budapeste pelas palavras do imaginário de Chico Buarque. Agora, quando guardo muitas (boas e eternas) recordações da cidade, espero até estar a deliciar-me com o filme baseado no romance de Chico Buarque e realizado por Walter Carvalho que estreia agora nas salas de cinema brasileiras. Que chegue depressa aqui ao outro lado do mar!
NOVA DELI
Esta foi a segunda vez que cheguei a Nova Deli… A primeira já lá vai há alguns meses quando pela primeira vez aterrei na Índia. Nessa altura parecia que tinha acabado de me infiltrar num qualquer filme de rodagem vertiginosa, cheio de acção, sem violência. Era tudo tão distante que por momentos tive dificuldade em perceber que era eu mesmo que estava naquela “rodagem”. Foi o início da descoberta de um estilo de vida que jamais havia encontrado, ou até mesmo imaginado que viesse a encontrar. A Índia deu-me a conhecer muitas coisas, tal como pensei que iria acontecer, todavia sentir a grandeza da sua cultura e religiões foi algo de verdadeiramente entusiasmante. Andar na Índia nem sempre foi fácil, e acho mesmo que andar aqui poderia ser um autêntico pesadelo para muitas pessoas que estejam habituadas ao conforto ocidental, mas a emoção que senti ao penetrar neste universo foi de tal forma intensa que me deixa prever que irei ter algumas dificuldades em descobrir outra qualquer emoção comparável durante outras tantas visitas que espero ainda conseguir fazer a outros locais deste Mundo. A Índia obriga-nos a repensar formas de estar e actuar, nem que seja apenas enquanto cá estamos. Hoje, em Nova Deli, sinto uma enorme vontade de regressar à Europa, mas sei que não vou precisar de muito tempo na Europa para sentir uma enorme vontade de regressar à Índia. Digamos que não há lugares perfeitos, sem dúvida que não há lugares perfeitos. Mas voltando ao inicio da segunda vez que cheguei a Nova Deli. A viagem durou a noite toda, de comboio, partimos de Amritsar às primeiras horas do dia e chegámos à estação de Nova Deli já a tarde tinha substituído a manhã. Nessa altura a estação estava repleta de pessoas, acotovelavam-se ao cruzarem-se umas pelas outras para ganharem espaço para passar. Para mim já não era novo, já não era um filme de rodagem vertiginosa, mas sim o dia-a-dia de um país com dificuldades em gerir uma população que é quase duas vezes maior do que a soma da população de todos os países da Europa. Desde o primeiro dia que me questiono acerca do que se poderá passar para que sempre, a toda a hora, os comboios na Índia estejam lotados de passageiros. Depois de tentar umas seis opções de estadia, lá encontrámos aquele que ia ser o nosso quarto durante os últimos dias na Índia. Os empregados mostravam ainda mais atenção e simpatia do que em qualquer outro lugar antes, ofereciam chá, insistentemente subiam ao nosso quarto para perguntar se estava tudo bem. Enfim, parecia que nos queriam ver muitíssimo satisfeitos, faziam-no como se nós não soubéssemos que o faziam à procura de uma gorjeta perdida nos nossos bolsos. O cenário mudava sempre que descobriam que a gorjeta teimava a não aparecer. Em Nova Deli não é tão fácil negociar, muitas vezes ficámos a ver os táxis irem embora depois de ouvirem a nossa oferta. É certo que também estávamos no final da viagem e pouco mais tínhamos para gastar, mas mesmo assim fiquei com ideia de que a exigência é maior do que noutros lugares. Começámos por visitar a zona de “Connaught Place” onde nos cruzámos com as classes de indianos mais privilegiadas, aqueles que falam inglês entre si e parecem completamente distantes da realidade do seu país. Cafés e restaurantes de luxo que estão apenas ao alcance de alguns. No coração de “Connaught Place” situa-se o “Central Park” de Nova Deli, com tudo isto quase me esqueci que ainda estava na Índia. No dia seguinte fomos à cidade velha, zona maioritariamente muçulmana. Visitámos a enorme “Jama Masjid”, se não me engano a maior mosquita da Índia e depois fomos até ao Forte Vermelho. Daqui voltámos para o Hotel de Metro, e mais uma vez quase me esquecia que ainda estava na Índia. Limpinho, novo, e acima de tudo com espaço! O Metro em Nova Deli tem espaço, e quanto a mim só vejo isso ser possível caso muitas outras pessoas sejam impedidas de entrar. Os restantes dias foram passados de Bazar em Bazar já sem grande paciência para mais templos ou outros monumentos. Nova Deli merece as minhas desculpas, a cidade que me viu chegar, e agora partir, não me teve à altura. Um dia havemos de nos ver outra vez, prometo!
AMRITSAR
Antes de regressar a Nova Deli e fazer a contagem decrescente para o regresso a casa, visitámos um dos lugares mais bonitos que conheci até hoje. O Templo Dourado de Amritsar. Amritsar situa-se no norte da Índia no estado de Panjabi, a cerca de trinta quilómetros da (única) fronteira com o Paquistão. Antes da chegada a Amritsar, muito pouco ou quase nada sabia acerca dos homens com turbante e barba grande. Por isso fui agradavelmente surpreendido com uma óptima hospitalidade. Depois de encontrar um recanto de quatro paredes com um colchão no meio para passar parte da noite, saímos do hotel, estava já escuro, mas a primeira impressão tinha sido positiva e decidimos ir imediatamente visitar o famoso Templo Dourado. O complexo do Templo não fecha e achámos que poderia ser bom visitar durante a noite. Já passava das dez quando reparámos que não só o complexo não fecha como também tem uma incrível actividade durante todas as 24 horas do dia, incluindo um mega refeitório que serve gratuitamente refeições a todos os interessados. Era fim-de-semana, existiam enormes filas de pessoas sentadas no chão de cabeça para baixo a petiscar o que vinha nos pratos de metal. O barulho do metal a bater quando atirado depois de usado ou lavado era ensurdecedor, as pilhas de pratos sujos eram lavados por voluntários, assim como todo o trabalho em volta daquela mega cozinha era feito por voluntários Sikhs. É um dos princípios da religião, não parar de servir quem de alguma forma necessita. De repente vimo-nos no meio de uma admirável moldura humana de homens com barbas grandes, turbantes na cabeça e facas à cintura. Três símbolos visíveis que caracterizam os Sikhs. Não passou muito tempo até termos alguém com esse aspecto a fazer-nos perguntas e a ser simpático. Primeiro pensámos que seria apenas mais uma conversa de blá blá blá e já está, mas começou a ser mais que isso, o Dav Singh parecia querer fazer a parte dele em servir quem de alguma forma necessita e não nos deixou ir embora sem nos dar uma valente lição sobre o que é o Sikhismo. Agradecemos e acabámos mesmo por nos encontrar mais vezes durante a nossa estadia em Amritsar. O Dav também nos mostrou outros lugares bonitos em Amritsar, levou-nos a beber chá, a jantar e ajudou-me a arranjar o meu próprio turbante. O Templo Dourado deixáva-nos completamente sem palavras, o nosso hotel ficava muito perto e por isso passámos lá muito tempo de boca aberta a olhar para toda aquela imagem indescritível que tínhamos à nossa volta. Havia uma coisa naquele lugar que era diferente das outras coisas na Índia, a multidão estava lá como sempre, mas não estava a confusão, o barulho e aquela imagem vertiginosa que muito nos acompanhou durante as nossas viagens na Índia. Foi o primeiro lugar, e talvez o único, onde a calma existia no meio de tamanho mar de pessoas. O Sikhismo é apenas a quinta maior religião existente na Índia e os seus seguidores estão essencialmente situados no estado de Panjabi. O Templo Dourado é o lugar de peregrinação que não pode faltar a qualquer Sikh. Em 1984 algumas divergências entre líderes Sikhs e o governo indiano fizeram com que as tropas indianas, ordenadas pela primeira-ministra Indira Gandhi, invadissem e destruíssem parte do Templo Dourado, com a justificação de que por detrás das suas paredes se escondiam planos contra o governo de Indira. Este facto levou à revolta dos Sikhs que jamais poderiam ter ficado indiferentes à agressão de que foi alvo o mais representativo espaço da sua religião. Pouco depois, um atentado levado a cabo por dois Sikhs, curiosamente guarda-costas da primeira-ministra, matou Indira e deu início a diversos actos de violência onde morreram cerca de dois milhares de Sikhs inocentes. Hoje, o primeiro-ministro da Índia, a maior democracia do Mundo, é Sikh.
DHARAMSALA
É aqui que Dalai Lama tem a sua residência oficial desde que escapou para o exílio há 50 anos atrás. De resto Dharamsala é mais tibetano que indiano, atrás do seu líder espiritual chegaram e continuam a chegar mais tibetanos que entram em território indiano caso consigam escapar entre os grandes Himalaias. Outros ficam pelo caminho, ou porque são apanhados pelo exército chinês de ocupação ou porque simplesmente não resistem à força do frio nas montanhas. O Museu do Tibete em Dharamsala deixa-nos com uma clara ideia sobre o que os tibetanos têm sofrido nos últimos anos ao se tentarem libertar da ocupação chinesa. E hoje, essa é a luta do povo tibetano que tenta salvar o que ainda não foi destruído da sua cultura e tradição. Respira-se tranquilidade em Dharamsala, mas por detrás da calma aparente do lugar, movem-se as almas daqueles que passaram tormentas antes de aqui chegar. Mas eu sou apenas um turistazeco sem grande história (e contente por isso). Mas nem tudo é calmaria, e o nosso menino Jesus deu-me uma valente prenda em vésperas de Natal, um dia inteiro de cama com o estômago às voltas. O que entrava saia logo a seguir pelo mesmo sitio. O pão tibetano foi o único a arranjar um cantinho sossegado dentro da minha barriga! Bem dito sejas tu, meu pão tibetano, trouxeste graças à minha ceia!
RISHIKESH
Não, não vim a Rishikesh para ficar num Ashram a fazer ioga ou meditar junto ao Ganges apesar de dizerem ser aqui a capital Mundial do Ioga. Bem, mas lá me meti a vaguear por entre alguns montes de turistas a apreciar a paisagem que Rishikesh nos oferece. Ou melhor, a apreciar a paisagem que Laksham Jhula e Ram Jhula nos oferece, porque na verdade estes dois lugares ficam situados poucos quilómetros a norte da verdadeira cidade de Rishikesh. Na verdadeira cidade de Rishikesh estão os outros indianos. Aqueles que fazem outras coisas que não dobrar-se para apanhar o dinheiro do serviço prestado ao turista, esses são os verdadeiros indianos que rolam as suas vidas enquanto observam o vai e vem de estrangeiros que ali passam depois de sair, ou antes de entrar nos autocarros ou comboios que os levam da verdadeira Rishikesh para outro destino. Mas a vida de turista é assim, e como eu sou um deles, lá me fiquei pelos encantos de Laksham e Ram Jhula e deixei os verdadeiros indianos fazerem as suas vidas descansados na verdadeira Rishikesh. Foram mais uns dias para relaxar fora da verdadeira (alucinante) Índia. Aqui a água do Ganges é limpa, ou pelo menos dá alguma impressão disso. É a primeira ou umas das primeiras povoação a ter o prazer de desfrutar das suas margens. A paisagem completa-se com as verdinhas montanhas que se estendem em redor e também com as duas pontes suspensas que ligam as margens do rio e que servem de posto de comando para os macacos ladrões roubarem coisas comestíveis das mãos dos mais distraídos. Também interessantes são as montras das lojas de Música, entre paletes de Cd’s de cânticos hindus e baladas para meditar ou fazer Ioga, encontramos (em destaque) o “White Album”, reza a história que aqui, em finais dos anos 60, os quarto Beatles pernoitaram durante alguns meses e escreveram muitos dos temas que compõem o “álbum branco”. Depois de tamanho exemplo, porque não admitir que Rishikesh pode de facto ser um lugar para encontrar alguma inspiração, eu ainda não consegui descobrir a minha, mas só pode mesmo estar a caminho.
SARNATH E BODHGAYA
Sarnath e Bodhgaya, ambos os lugares têm relação directa com o Budismo. Foi em Bodhgaya que Siddhartha Gautama atingiu a iluminação e se tornou Buda. Após a sua iluminação, Buda deslocou-se a Sarnath e foi onde pela primeira vez discursou sobre os seus ideais e motivações dando assim início ao Budismo. Foram estes acontecimentos que tornaram Sarnath e Bodhgaya lugares sagrados e de passagem obrigatória para qualquer budista. Sarnath situa-se a poucos quilómetros de Varanasi. Pouco se pode aqui encontrar à parte dos mosteiros budistas construídos em volta do local onde Buda discursou e do excelente Museu de Arqueologia, recheado de antigas e preciosas esculturas originárias da região. Tanto Sarnath como Bodhgaya estão repletos de mosteiros construídos por diversos países ligados ao Budismo. Mas o ponto maior é o deslumbrante templo Mahabodhi construído junto à árvore onde Siddhartha meditou até atingir a iluminação.
VARANASI
Não existem muitas nações que conseguem preservar a sua história e tradição com tamanho carisma como a Índia o faz. Hoje, tenta-se encontrar espaço para que a sociedade moderna consiga penetrar e partilhar o mesmo lugar com a tradição indiana, repleta de misticismo e rituais que têm atravessado gerações e gerações. Viajar na Índia é viajar dentro da própria história sem que seja necessário abrir a porta do museu. Se existem poucos lugares com o carisma da Índia, menos ainda são os que podem ser comparados à cidade de Varanasi, o coração e casa maior do hinduísmo. As margens do sagrado Rio Ganges oferecem uma interminável paisagem de acontecimentos, não existe nada que não se possa ver ou imaginar acontecer nos seus Ghats, que são as escadarias que terminam nas águas do Ganges. Para quem visita Varanasi, uma das mais marcantes e fortes imagens é a passagem pela “Manikarnika Ghat”, onde todos os dias, quase continuamente, são cremados centenas de corpos para que assim seja efectuada a definitiva purificação do falecido. As cinzas são depois atiradas ao rio. Existe um número significante de hindus que se deslocam para Varanasi e ali ficam à espera do último dia das suas vidas para que depois lhe seja concedido este digno ritual fúnebre, na sua maioria mulheres viúvas que após o falecimento do conjugue vivem o que resta da sua vida à espera do fim da mesma, segundo determina e manda a sua religião. De resto, muitas são as diferenças entre o homem e a mulher na Índia, quase sempre com desvantagem para a mulher. Varanasi oferece-nos momentos que nos podem fascinar tanto pela positiva como pela negativa, é sem dúvida um lugar que não deixa ninguém indiferente. Entre simples crentes, que vêm as margens do rio para a “Puuja” (reza dos hindus); Sadus, os homens sagrados que se maquilham e vestem exuberantes e coloridas roupas; Vendedores ambulantes; Barqueiros e massageiros que a todo o custo procuram turisto-clientes, aparecem crianças, vindas de todos os lados tentando ganhar o seu sustento com moedas perdidas dos bolsos dos turistas. O trabalho infantil é um dos grandes problemas da Índia, apesar da recente lei que proíbe o trabalho a menores de 14 anos, pouca ou mesmo nenhuma fiscalização impede que tal lei seja colocada definitivamente em prática. São muitas as crianças, que sem outra forma de sustento, são obrigadas a cair na rua para tentar ganhar graças de um turista que passa, ora vendendo souvenirs, ora arrastando um turisto-cliente para uma qualquer loja de têxteis, ganhando com isso uma pequena comissão. Utilizam as mais diversas formas de aliciação e é assustadora a forma como tão pequenas crianças falam (em bom inglês) e actuam perante os turistas. Varanasi oferece tanto, mas não exige menos, e uma mente não suficientemente preparada para a sua poderosíssimo essência poderá estragar o fascínio e misticismo que ela tem para oferecer. Varanasi talvez seja um daqueles lugares que ou se adora ou se odeia. Se houvesse uma pessoa com quem eu mais gostaria de partilhar as emoções que ficaram sobre a visita a Varanasi, essa pessoa seria o meu amigo Eugénio Gaspar a quem, em parte, devo esta viagem, valorizada com as tão boas indicações que me deixou antes de partir.
DIU
Diu, tal como Damão e Goa, foi colónia portuguesa durante mais de 400 anos. Esta pequena Ilha com cerca de 11 por 3 km de distância situa-se perto da costa central indiana, no Mar Arábico, a sul do estado de Gujarat e tem ligação com o restante continente através de uma pequena ponte. Em 1961, após algumas tentativas de acordo falhadas entre o governo indiano e o português (liderado por Salazar) para entrega da Ilha à Índia, o exército indiano ocupou Diu, tornando-a seu território. A minha visita a Diu foi inesperadamente saborosa. Para além de encontrar comida que me possibilitou fazer uma valente pausa dos fortes temperos indianos, encontrei ainda muitas outras coisas que me fizeram ficar com bonitas recordações deste lugar. Pela primeira vez estive tão longe de Portugal com oportunidade de sentir uma valente aragem lusitana, a herança deixada em Diu não passa despercebida, ao longo de toda a Ilha é fácil encontrar vestígios da estadia portuguesa, nos nomes das Ruas, as Igrejas, Conventos, o Forte de Diu e os alguns descendentes indo-lusitanos que teimam em deixar vivas as marcas. O português continua a ser usado, mesmo pelos mais pequenos. Um comerciante, ao perceber que eu me aproximava do frigorífico da sua pequena loja, perguntou-me em português “Água fresca?”, mesmo antes de saber se eu o entendia. Então depois de descobrir que estava ali um Tuga de raiz, puxou um banco para me deixar confortável e começou a dar corda à garganta. Durou até eu dizer que estava cansado e que precisava de dormir. Foi muito importante e agradável conhecer e falar com estas pessoas e perceber o quanto estimam um país que influenciou a sua existência, mas que muitas delas nunca tiveram o privilégio de visitar. Falei com o Sr. Isaac que não gosta de Fado e me perguntou se tinha Tango ou Valsa para lhe gravar. Mas foi com a mãe do Sr. Isaac que o suspiro lusitano me atacou com mais intensidade, senhora já na casa dos setenta, contou que se não fosse o Sr.Isaac estar prestes a sair-lhe da barriga, também ela tinha fugido para Portugal em 61. Num jeito muito calmo e ao mesmo tempo tresloucado, contou-nos como se recorda dos tempos em que a Ilha era governada pelos portugueses, e o quanto o governador era atencioso para a povoação, tão atencioso que quando era chamado devido a algum problema, ele próprio se deslocava a casa das pessoas para saber do que se tratava. Quase de lágrimas nos olhos, disse-nos ainda como se recorda do barulho das bombas com que os indianos expulsaram os portugueses em Dezembro de 1961. Eu tenho pena de apenas ter tido oportunidade para ouvir e não falar/perguntar, uma vez que a audição da mãe do Sr. Isaac já não a deixa aventurar-se em grandes conversas. Um pouco por cada canto lá fui encontrando formas de matar algumas saudades de casa. Diu é completamente diferente dos outros lugares que tinha antes visitado na Índia, muito mais calmo, limpo e socialmente melhor organizado, talvez seja do número reduzido de população, em relação aos outros lugares, mas também não posso deixar de acreditar que a influência portuguesa tenha sido fulcral na construção daquele lugar. O dono de um dos restaurantes que frequentei deu-me como razão para a passividade da Ilha, as regras vigentes aquando a governação portuguesa. Disse-me que isso permitiu uma relevante organização social e também cultural, como prova temos a taxa de alfabetismo de Diu, que está bem acima da média indiana. Para acabar e aproveitando tamanha passividade, porque não alugar uma scooter e tentar descobrir os mais escondidos recantos da Ilha, foi o que fizemos e muito bem!
Indiana: “Não gostas de mim, pois não?”
Indiano: “Nós só estamos casados há três dias, ok?”
Na Índia, faz-se primeiro o Casamento, e só depois deve vir o Amor.
E é mesmo assim. Não é só nos filmes.
Do filme indiano FIRE de Deepa Mehta.
AGRA
E zás, já fomos picar o cartão ao Tás Mal... Turista que é turista jamais deixa a Índia sem visitar o Tás Mal. As fotozinhas da praxe e pronto, já está! O Tás Mal é mesmo uma coisa bonita de se ver, de qualquer forma tenho dúvidas (muitas) se é mesmo a mais impressionante construcção que já vi. Fora isso tentámos dar-nos bem com Agra, mas nem por isso conseguimos. É uma cidade muito suja, mal cheirosa, desorganizada e muito cara se comparar com os outros lugares que já visitei na Índia. Em Agra é mais difícil negociar os preços porque a procura é suficientemente grande e os comerciantes nem sempre se importam de não fazer negócio. Não foi mesmo fácil sentir conforto em Agra. E não fosse o Taj Mahal, e o Forte de Agra (que é muito bonito também), não valeria mesmo a pena visitar Agra. Perdoem-me se estou a ser mauzinho, mas Agra (cidade) não me ficará na memória por bons motivos. Diria mesmo que o Tás Mal estaria melhor noutro lugar. Pela primeira vez aceitámos apanhar uma cycle-rishaw (bicicleta-táxi), cujo seu condutor se chamava Amar e tinha 13 anos. Para mim foi algo especialmente estranho aceitar dar trabalho a uma criança, que deveria estar na escola e não a trabalhar desde que o sol nasce até que caia a noite novamente (todos os dias), ele contou-nos que a sua vida era assim mesmo. Estar ali com o Amar significava mais para mim do que apenas a requisição dos seus serviços, era um miúdo que ali estava a governar-se no mundo dos grandes. A caminho do Forte de Agra, fomos trocando de vez, ora pedalava ele (nas zonas com mais trânsito e cruzamentos), ora pedalava eu em rectas mais longas ou estradas mais calma. Dividimos assim o esforço e foi para mim divertido conduzir a cycle-rishaw. O Amar falava excepcionalmente bom inglês, dominava completamente as palavras e as frases que frequentemente utilizava com os turistas, no entanto mostrava algumas limitações quando tentávamos falar acerca de outras coisas que não as coisas a que ele estava habituado a falar. Sobre a escola por exemplo, sempre que eu falava na escola ele ficava sem palavras para me responder. Quando chegámos ao Forte, o Amar, de imediato perguntou quanto tempo demorávamos na visita porque queria ser ele a levar-nos de volta para outro lugar e assim ganhava mais dinheiro. Não respondi, mas perguntei-lhe se ele já tinha visitado o Forte, ele disse que sim, mas foi um sim muito envergonhado e logo topei que não era verdade. Convidámo-lo para vir connosco mas ele teimava em não aceitar. Por fim, depois de algumas tentativas, lá aceitou, acho que só aceitou porque eu lhe disse que se ele não viesse connosco, podia ir-se embora porque nós não voltávamos a sentar-nos na sua cycle-rishaw. Lá nos acompanhou, não sei se lhe deu grande prazer visitar o Forte e estar rodeado de pessoas “diferentes”, de pessoas que não as do seu “nível social”. É incrível como na Índia ainda existe tamanha diferença no que diz respeito a classes sociais. É verdadeiramente triste ver como as pessoas se tratam de diferentes formas consoante a sua classe social. Então foi assim que fomos quebrando algumas regras e fizemos do Amar o nosso amigo especial que nos acompanhava na visita ao Forte de Agra. Foi logo estranho à entrada, por entre alguns comentários e expressões de espanto, o segurança lá nos deixou entrar com o Amar, mas claro, tivemos que explicar mais do que uma vez que ele era nosso amigo e que nos acompanhava. Já dentro do Forte um outro segurança chegou junto do Amar e pegou-lhe no braço perguntando o que ele ali estava a fazer, eu cheguei-me atrevidamente e perguntei por que razão é que ele segurava no Amar pelo braço e porque que razão ele estava a perturbar a nossa visita ao Forte. O segurança tratou de falar em hindu só para o Amar perceber, num tom invisivelmente rude que quase não nos possibilitou perceber muito bem o que ele queria mesmo, depois percebemos que o tentou intimidar dizendo que ele não podia estar ali. Eu continuei a insistir a perguntar qual era o problema dele e porque não podia o Amar estar ali connosco. Por fim o segurança deixou-o pois o estatuto do turista na Índia é respeitado e a minha teimosia foi suficiente. Já o pequeno Amar, com os seus 13 aninhos, não poderia visitar o Forte se não estivesse connosco. Senti-me saudavelmente bem ao quebrar um pouco do que são estas retrógradas regras indianas. Eu olhava para o Amar e só conseguia ver ali uma criança, todavia ao longo da nossa visita ao Forte muitas pessoas nos olharam com ar de admiração e adivinho que perguntavam a si mesmas “O que está aqui a fazer este da classe dos pobres”, ou algo de muito parecido. O Amar não estava bem vestido, mas também não estava mal vestido. Mais importante, o Amar ainda é uma criança, mas aqui na Índia isso ainda pouco importa.
UDAIPUR
Aquilo que tinha lido antes de partir já me havia deixado convicto de que Udaipur tinha tudo para nos proporcionar uma estadia em grande, e isso aconteceu mesmo. Posso ainda dizer que superou as minhas melhores expectativas. Depois destes dois dias voltámos a Jaipur com uma enorme satisfação e ainda mais vontade de saltar para a rua à descoberta da Índia e das suas gentes. A viagem entre Jaipur e Udaipur (a Cidade Branca) foi relativamente longa, cerca de nove horas (já a contar com os atrasos), mas até se fez bem... a dormir! Não é que tenha conseguido dormir a noite toda, mas o suficiente para sair da estação de Udaipur com vontade de, imediatamente, me meter a andar cidade dentro. Logo à partida me pareceu um lugar bastante tranquilo, com pessoas tranquilas e onde definitivamente se poderia encontrar interessantes pontos de aprendizagem sobre a realidade indiana, sobre o Rajastão, os hindus, ou de uma forma geral, sobre o que vai na mente daquelas pessoas com quem nos cruzávamos na rua. Senti alguma facilidade em comunicar, não sei se será mesmo do lugar ou se foi simplesmente pura coincidência, não sei, mas acho que também não importa agora saber. A verdade é que isso me deu a oportunidade de “penetrar” um pouco mais no universo dos indianos, partilhando (sempre recebendo mais que dando) ideias e formas de lidar com o que nos rodeia, formas de lidar com a Vida. Não sei se devo dizer que os indianos têm uma estranha forma de lidar com a vida, não! Acho que devo apenas dizer que a forma deles é diferente da forma de um europeu tipo (a outra única forma que posso dar como termo de comparação). Não querendo colocar toda a imensidão de uma Europa num só saco, acontece que desde que cheguei à Índia é com alguma naturalidade que durante uma qualquer conversa pode saltar algo do género: “Na Europa... Isto. Na Europa... Aquilo.” Se calhar quando eu for a Marte vou contar aos marcianos que nós aqui no Planeta Terra... Isto. Ou nós aqui no Planeta Terra... Aquilo. Quando penso desta forma, julgo que no fundo existe algum excesso de simplicismo e que da próxima vez deveria tentar falar em nome de um português e não de um europeu. Mas também lá no fundo algo me diz que é mais fácil falar em nome da Europa. Talvez o melhor seja tentar alternar entre os dois. Voltando a Udaipur... Começamos pelo Palácio da Cidade e decidimos comprar os serviços de um guia turístico, privado, mas a um preço bastante convidativo (dois euros e meio). A visita durou hora e meia e aqueles dois euros e meio não podiam ter sido melhor aproveitados, além da eficaz explicação em redor de algumas histórias e curiosidades do Palácio, conseguimos ainda ter uma interessante perspectiva de como um indiano (formado) olha para o seu próprio país. Conhecemos depois o Naru que me tentou ensinar a tocar Ravanhattha, acho que sem grande sucesso. O Naru não sabia ler, e mal me conseguiu escrever o seu nome, talvez “Naru” seja a forma mais simples e na verdade o seu nome seja bem mais complicado do que um simples “Naru”. Mas o Naru falava algum inglês o que me fez ficar ali sentado durante algum tempo. Falou sobre si, sobre a sua Ravanhattha e algumas experiências com outros estrangeiros que por ali paravam. No final tentou que eu lhe comprasse a Ravanhattha, e como eu fui dizendo que não, ele disse que também podia trocar a Ravanhattha por telemóvel ou câmara fotográfica. A Ravanhattha é um instrumento simples, de cordas, basicamente usa-se sempre a mesma corda, apesar de ter mais umas quantas que quase só servem para enfeitar. Ele disse-me que às vezes as usa, mas que é raro. A vida do Naru é fazer Ravanhatthas para tentar vender aos turistas. Outra memória que certamente vai ficar comigo é a da minha primeira experiência (talvez última, não sei) como participante na “Pooja”, a reza dos hindus. Todos os dias o ritual se repete nos seus templos, o cenário é agradável, os cheiros a jasmim misturam-se com outros aromas de incenso a queimar.
PUSHKAR
O fim-de-semana levou-nos até à pequena cidade de Pushkar, conhecida por ser um lugar extremamente religioso, onde, quase a cada esquina, se pode encontrar um templo hindu. Mas o grande símbolo de Pushkar é o seu lago sagrado. Os rituais nas suas margens são muitos e a cada instante se pode ver o quanto aquela água é respeitada e adorada pelos indianos. Avisos espalhados algures nas enormes escadarias que envolvem as suas margens, dizem que só se pode estar a menos de 40 “pés” da água se se estiver descalço, caso contrário pode ser levado como um sinal de desrespeito para com o hinduísmo. Pushkar é um lugar aparentemente calmo, todavia não posso dizer que assim mesmo o seja, pois a sua calma aparente pode ser, por vezes, quebrada pelos pedintes de rua, que esperam os forasteiros para misturar a sua fome de moedas com a venda de rituais religiosos que, nas suas palavras, devem ser seguidos como sinal de respeito pelas suas tradições, no entanto facilmente se percebe de que, a eles, pouco importa a tradição ou o nosso devoto e respeito pela sua religião, ali são as moedas que comandam a operação. De qualquer forma existe sempre forma de os contornar, não será devido a deles que uma visita a Pushkar deixa de ser agradável. De entre todos os mais de 400 templos que fazem de Pushkar o lugar da Índia com mais templos por metro quadrado, existe um que me parece especialmente importante, pelo facto de ser o único na Índia dedicado ao Deus Brama. Segundo o hinduísmo, Brama (o criador) teve como tarefa a criação do Universo e do ser vivo, sendo que essa função há muito foi cumprida e talvez por isso, apesar da sua reconhecida importância, poucos hindus o têm como referência. A mim parece-me um Deus um tanto ou quanto injustiçado, depois de tamanha tarefa merecia talvez um pouco mais de atenção, mas no fundo até compreendo, se eu fosse hindu talvez também daria maior importância, por exemplo, ao Deus da sorte e da boa fortuna, ou ao Deus da energia, não sei, digo eu assim por alto. Na verdade pouco sei sobre o que pensam os hindus acerca de Brama, talvez até esteja enganado no que digo. De resto as ruas de Pushkar são divertidas, muita música, muitas lojas e restaurantes vegetarianos. Em Pushkar não se bebem bebidas alcoólicas, nem se comem comidas que não sejam vegetarianas. E claro, também aqui as vacas fazem o que querem, onde querem!