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sábado, 18 de outubro de 2008

O AMOR É DEPOIS



Indiana: “Não gostas de mim, pois não?”
Indiano: “Nós só estamos casados há três dias, ok?”

Na Índia, faz-se primeiro o Casamento, e só depois deve vir o Amor.
E é mesmo assim. Não é só nos filmes.

Do filme indiano FIRE de Deepa Mehta.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

AMAR E O TÁS MAL

AGRA



E zás, já fomos picar o cartão ao Tás Mal... Turista que é turista jamais deixa a Índia sem visitar o Tás Mal. As fotozinhas da praxe e pronto, já está! O Tás Mal é mesmo uma coisa bonita de se ver, de qualquer forma tenho dúvidas (muitas) se é mesmo a mais impressionante construcção que já vi. Fora isso tentámos dar-nos bem com Agra, mas nem por isso conseguimos. É uma cidade muito suja, mal cheirosa, desorganizada e muito cara se comparar com os outros lugares que já visitei na Índia. Em Agra é mais difícil negociar os preços porque a procura é suficientemente grande e os comerciantes nem sempre se importam de não fazer negócio. Não foi mesmo fácil sentir conforto em Agra. E não fosse o Taj Mahal, e o Forte de Agra (que é muito bonito também), não valeria mesmo a pena visitar Agra. Perdoem-me se estou a ser mauzinho, mas Agra (cidade) não me ficará na memória por bons motivos. Diria mesmo que o Tás Mal estaria melhor noutro lugar. Pela primeira vez aceitámos apanhar uma cycle-rishaw (bicicleta-táxi), cujo seu condutor se chamava Amar e tinha 13 anos. Para mim foi algo especialmente estranho aceitar dar trabalho a uma criança, que deveria estar na escola e não a trabalhar desde que o sol nasce até que caia a noite novamente (todos os dias), ele contou-nos que a sua vida era assim mesmo. Estar ali com o Amar significava mais para mim do que apenas a requisição dos seus serviços, era um miúdo que ali estava a governar-se no mundo dos grandes. A caminho do Forte de Agra, fomos trocando de vez, ora pedalava ele (nas zonas com mais trânsito e cruzamentos), ora pedalava eu em rectas mais longas ou estradas mais calma. Dividimos assim o esforço e foi para mim divertido conduzir a cycle-rishaw. O Amar falava excepcionalmente bom inglês, dominava completamente as palavras e as frases que frequentemente utilizava com os turistas, no entanto mostrava algumas limitações quando tentávamos falar acerca de outras coisas que não as coisas a que ele estava habituado a falar. Sobre a escola por exemplo, sempre que eu falava na escola ele ficava sem palavras para me responder. Quando chegámos ao Forte, o Amar, de imediato perguntou quanto tempo demorávamos na visita porque queria ser ele a levar-nos de volta para outro lugar e assim ganhava mais dinheiro. Não respondi, mas perguntei-lhe se ele já tinha visitado o Forte, ele disse que sim, mas foi um sim muito envergonhado e logo topei que não era verdade. Convidámo-lo para vir connosco mas ele teimava em não aceitar. Por fim, depois de algumas tentativas, lá aceitou, acho que só aceitou porque eu lhe disse que se ele não viesse connosco, podia ir-se embora porque nós não voltávamos a sentar-nos na sua cycle-rishaw. Lá nos acompanhou, não sei se lhe deu grande prazer visitar o Forte e estar rodeado de pessoas “diferentes”, de pessoas que não as do seu “nível social”. É incrível como na Índia ainda existe tamanha diferença no que diz respeito a classes sociais. É verdadeiramente triste ver como as pessoas se tratam de diferentes formas consoante a sua classe social. Então foi assim que fomos quebrando algumas regras e fizemos do Amar o nosso amigo especial que nos acompanhava na visita ao Forte de Agra. Foi logo estranho à entrada, por entre alguns comentários e expressões de espanto, o segurança lá nos deixou entrar com o Amar, mas claro, tivemos que explicar mais do que uma vez que ele era nosso amigo e que nos acompanhava. Já dentro do Forte um outro segurança chegou junto do Amar e pegou-lhe no braço perguntando o que ele ali estava a fazer, eu cheguei-me atrevidamente e perguntei por que razão é que ele segurava no Amar pelo braço e porque que razão ele estava a perturbar a nossa visita ao Forte. O segurança tratou de falar em hindu só para o Amar perceber, num tom invisivelmente rude que quase não nos possibilitou perceber muito bem o que ele queria mesmo, depois percebemos que o tentou intimidar dizendo que ele não podia estar ali. Eu continuei a insistir a perguntar qual era o problema dele e porque não podia o Amar estar ali connosco. Por fim o segurança deixou-o pois o estatuto do turista na Índia é respeitado e a minha teimosia foi suficiente. Já o pequeno Amar, com os seus 13 aninhos, não poderia visitar o Forte se não estivesse connosco. Senti-me saudavelmente bem ao quebrar um pouco do que são estas retrógradas regras indianas. Eu olhava para o Amar e só conseguia ver ali uma criança, todavia ao longo da nossa visita ao Forte muitas pessoas nos olharam com ar de admiração e adivinho que perguntavam a si mesmas “O que está aqui a fazer este da classe dos pobres”, ou algo de muito parecido. O Amar não estava bem vestido, mas também não estava mal vestido. Mais importante, o Amar ainda é uma criança, mas aqui na Índia isso ainda pouco importa.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

A CIDADE BRANCA

UDAIPUR



Aquilo que tinha lido antes de partir já me havia deixado convicto de que Udaipur tinha tudo para nos proporcionar uma estadia em grande, e isso aconteceu mesmo. Posso ainda dizer que superou as minhas melhores expectativas. Depois destes dois dias voltámos a Jaipur com uma enorme satisfação e ainda mais vontade de saltar para a rua à descoberta da Índia e das suas gentes. A viagem entre Jaipur e Udaipur (a Cidade Branca) foi relativamente longa, cerca de nove horas (já a contar com os atrasos), mas até se fez bem... a dormir! Não é que tenha conseguido dormir a noite toda, mas o suficiente para sair da estação de Udaipur com vontade de, imediatamente, me meter a andar cidade dentro. Logo à partida me pareceu um lugar bastante tranquilo, com pessoas tranquilas e onde definitivamente se poderia encontrar interessantes pontos de aprendizagem sobre a realidade indiana, sobre o Rajastão, os hindus, ou de uma forma geral, sobre o que vai na mente daquelas pessoas com quem nos cruzávamos na rua. Senti alguma facilidade em comunicar, não sei se será mesmo do lugar ou se foi simplesmente pura coincidência, não sei, mas acho que também não importa agora saber. A verdade é que isso me deu a oportunidade de “penetrar” um pouco mais no universo dos indianos, partilhando (sempre recebendo mais que dando) ideias e formas de lidar com o que nos rodeia, formas de lidar com a Vida. Não sei se devo dizer que os indianos têm uma estranha forma de lidar com a vida, não! Acho que devo apenas dizer que a forma deles é diferente da forma de um europeu tipo (a outra única forma que posso dar como termo de comparação). Não querendo colocar toda a imensidão de uma Europa num só saco, acontece que desde que cheguei à Índia é com alguma naturalidade que durante uma qualquer conversa pode saltar algo do género: “Na Europa... Isto. Na Europa... Aquilo.” Se calhar quando eu for a Marte vou contar aos marcianos que nós aqui no Planeta Terra... Isto. Ou nós aqui no Planeta Terra... Aquilo. Quando penso desta forma, julgo que no fundo existe algum excesso de simplicismo e que da próxima vez deveria tentar falar em nome de um português e não de um europeu. Mas também lá no fundo algo me diz que é mais fácil falar em nome da Europa. Talvez o melhor seja tentar alternar entre os dois. Voltando a Udaipur... Começamos pelo Palácio da Cidade e decidimos comprar os serviços de um guia turístico, privado, mas a um preço bastante convidativo (dois euros e meio). A visita durou hora e meia e aqueles dois euros e meio não podiam ter sido melhor aproveitados, além da eficaz explicação em redor de algumas histórias e curiosidades do Palácio, conseguimos ainda ter uma interessante perspectiva de como um indiano (formado) olha para o seu próprio país. Conhecemos depois o Naru que me tentou ensinar a tocar Ravanhattha, acho que sem grande sucesso. O Naru não sabia ler, e mal me conseguiu escrever o seu nome, talvez “Naru” seja a forma mais simples e na verdade o seu nome seja bem mais complicado do que um simples “Naru”. Mas o Naru falava algum inglês o que me fez ficar ali sentado durante algum tempo. Falou sobre si, sobre a sua Ravanhattha e algumas experiências com outros estrangeiros que por ali paravam. No final tentou que eu lhe comprasse a Ravanhattha, e como eu fui dizendo que não, ele disse que também podia trocar a Ravanhattha por telemóvel ou câmara fotográfica. A Ravanhattha é um instrumento simples, de cordas, basicamente usa-se sempre a mesma corda, apesar de ter mais umas quantas que quase só servem para enfeitar. Ele disse-me que às vezes as usa, mas que é raro. A vida do Naru é fazer Ravanhatthas para tentar vender aos turistas. Outra memória que certamente vai ficar comigo é a da minha primeira experiência (talvez última, não sei) como participante na “Pooja”, a reza dos hindus. Todos os dias o ritual se repete nos seus templos, o cenário é agradável, os cheiros a jasmim misturam-se com outros aromas de incenso a queimar.